O que médicos de uma rede particular de convênio médico e funcionários de uma rede de lojas de departamento têm em comum?

Na terça-feira, 28, a advogada Bruna Mendes Morato, em depoimento à CPI da covid, declarou que a rede Prevent Sênior coagia médicos e demitia os contrários ao “tratamento precoce”. A advogada representa um grupo de médicos demitidos pela empresa e afirmou que o plano era obrigar os profissionais a ministrarem o “kit covid” sob ameaça de demissão. Todos os profissionais que se negaram a aplicar tal prática foram demitidos. Antes das demissões, como advertência, Bruna declarou que os médicos sofriam castigos como redução de plantões a quem não seguisse as orientações da rede. “Se você não demonstrasse obediência àqueles protocolos que lhe eram apresentados, você sofria punições”.
Segundo o depoimento de Bruna, os médicos eram orientados à prescrição do kit covid, que vinha num pacote fechado e lacrado, ou seja, não existia autonomia do profissional de saúde para determinar o medicamento indicado ao paciente. “Quando o médico queria tirar algum medicamento do kit, ainda que ele riscasse na receita, o paciente recebia ele completo”. Ainda segundo a advogada, alguns médicos comentaram ter avisado a pacientes para que não utilizassem alguns itens do “tratamento”, mas que estavam sendo obrigados a entregar os medicamentos para não serem demitidos.
Em depoimento nesta quarta-feira, 29, também na CPI da covid, Luciano Hang, empresário bolsonarista proprietário das lojas Havan, declarou falsamente nunca ter intimidado funcionários a votarem em Jair Bolsonaro. A declaração não condiz com a realidade mostrada em vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=cxnvzkD-3TQ) publicado pelo empresário nas eleições presidenciais de 2018, onde Luciano Hang intimida seus funcionários a votarem contra a “volta do comunismo”. No vídeo, o bolsonarista diz que se um candidato “de esquerda” vencer a eleição, vai repensar sua estratégia comercial e pode fechar algumas das lojas. “Você está preparado a sair da Havan?”, ameaça Hang. O Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina alegou a existência de casos em que os funcionários da rede não tinham acesso ao sistema da empresa enquanto não respondessem uma pesquisa sobre em quem iriam votar nas eleições e pediu indenizações. A Justiça do Trabalho proibiu Hang de influenciar o voto de funcionários.
Constatamos nestes dois casos que a falta de estabilidade no emprego do setor privado permitiu que médicos da Prevent Sênior e funcionários das lojas Havan sofressem ameaças e de fato chegassem a ser demitidos caso não seguissem orientações ilegais. No setor público, a garantia de estabilidade permite ao servidor que essas ameaças não existam ou que tenham seus efeitos reduzidos, que os interesses de grupos políticos não estejam acima do interesse público, de forma que o objetivo sempre seja atender a população, e não o seu chefe ou algum político corrupto.
A PEC 32, conhecida como Reforma Administrativa, extingue, na prática, essa estabilidade ao não garantir a admissão de servidores pelos concursos públicos, prejudicando a sua independência, abrindo portas para o favorecimento de interesses econômicos de alguns grupos e do aumento da corrupção dentro do setor público.