No último dia 24 de março, a Ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, participou de evento organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP cujo tema era “A Reforma Administrativa nos três poderes: perspectivas e desafios na transformação do estado”. Uma postura que, certamente, contraria um compromisso do governo Lula com os servidores e servidoras, quando de sua campanha.
Para falar sobre esse evento, bem como sobre o significado da reforma administrativa, entrevistamos o diretor do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, Mario Mariano.
Confira.
Mário, para você, qual o significado da participação da Ministra do governo Lula, Esther Dweck, em um evento favorável à reforma administrativa promovido pela FIESP?
Mário: A gente pode dizer que não é uma novidade, porque nós temos percebido que o governo Lula, apesar de, em muitos momentos, ter feito críticas à PEC 32, à elaboração inicial da reforma administrativa, feita ainda no outro governo, no governo Bolsonaro, esse governo, o governo Lula, tem feito muitas falas favoráveis ao que eles chamam de “transformação do Estado”. Que nós identificamos que têm vários elementos de reforma administrativa e, até mesmo, elementos do projeto da PEC 32.
Não só falas, como ações concretas. O governo já fez INs relacionadas ao programa de gestão de desenvolvimento, incluiu na MP do Reajuste elementos que nós consideramos de reforma administrativa. Então, infelizmente, essa participação da ministra Esther no evento da FIESP aponta um sentido que tem sido desenvolvido no próprio governo Lula, de compreensão de que é necessário, na visão deles, uma reforma administrativa, que nós vemos com muita crítica. Porque, no fundo, é um processo de ataque ao serviço público, sem nenhum diálogo. O governo não nos chama para conversar sobre as propostas. Então, ao mesmo tempo que é um sentido que se desenvolve no governo, ele é, também, a nosso ver, um significado muito ruim para o conjunto dos servidores e servidoras públicas. Porque a gente lutou para derrotar o governo Bolsonaro. Por que a gente queria derrotar o governo Bolsonaro? Dentro dos elementos estava a proposta de ataque aos serviços públicos e o atual governo dá continuidade a diversos elementos dessa proposta. Então tem um significado muito negativo para o conjunto dos servidores públicos. Um significado de apontar que nós devemos estar atentos e lutar contra essa posição e essas medidas do atual governo, referentes ao debate de reforma administrativa.
Quais seriam, no seu ponto de vista, os interesses do setor privado com a aprovação da reforma administrativa?
Bem, o setor privado, os empresários, a extrema-direita, os interesses do capital reunidos aí em torno desse evento da FIESP, mas em outros movimentos como no próprio Congresso, se expressando também no governo (esses interesses privados), ele tem muito interesse numa reforma administrativa. Porque essa ideia de que o Estado é ineficiente, essa ideia de que o servidor é ineficiente, essa ideia de que se gasta muito com serviços públicos vem de longa data e cumpre um papel de aprofundar os processos de privatização dos serviços públicos. Então cumpre um papel de fazer com que a população não só veja os problemas que podem existir, mas que amplia essa percepção para uma percepção negativa dos serviços públicos, sendo muito favorável. Então, muitas vezes ou pelo menos não estando atento o suficiente aos processos de privatização. E aí, nos processos de privatização, o que a gente sabe é que se diminui o Estado para garantia do direito e se aumenta o Estado para os negócios do capital, que rouba o fundo público. O dinheiro público que seria colocado no serviço público, acaba indo para o setor privado através das terceirizações, das OSs e de todo esse processo de transferência dos recursos públicos para que a iniciativa privada preste o serviço de acesso à educação, à saúde, mas também da sua gestão. Uma gestão privada, uma gestão que cria um ambiente muito favorável a outros interesses do capital.
Então, o capital tem total interesse nesse processo de reforma administrativa porque ele ataca estruturalmente o caráter das políticas sociais. Ao mesmo tempo, como ele ataca os servidores públicos, ele está atacando uma fração da classe trabalhadora, uma categoria, a categoria dos servidores públicos que tem sido muito combativa, que tem lutado contra esses processos, que tem apontado a necessidade da gente superar essa situação, que tem apontado e denunciado os processos de privatização.
Então o capital tem muito interesse, o setor privado tem muito interesse. Porque é um filão de mercado. É uma forma de você conseguir aumentar a fatia do financiamento público que vai para o setor privado e uma forma de atacar uma parte da classe trabalhadora que tem sido muito aguerrida, que tem se colocado em muitas lutas, feito greves, feito denúncias, lutado contra o retorno do fascismo, contra a política neoliberal. Então, esses são os interesses.
Então o capital tem muito interesse, o setor privado tem muito interesse. Porque é um filão de mercado.
Quais seriam os retrocessos mais graves que você enxerga nesta reforma?
Acho que um ponto fundamental é o ataque à estrutura do serviço público, já tão cambaleada, já tão atacada, mas um ataque estrutural. Então, por exemplo. Quando você propõe processos que atacam a estabilidade do servidor, o que você está fazendo? Você está retirando um instrumento fundamental do serviço público, que é que esse trabalhador, sem estabilidade, fica muito mais propício às interferências dos governos, dos cargos comissionados que são indicados pelos governos. Ele fica com receio, então, de ser mandado embora e ele acaba, então, não atendendo totalmente aquilo que ele serve, aquilo que a sociedade pensou como elemento para o seu trabalho.
A gente tem exemplos disso. Atacar estabilidade é diminuir a possibilidade do servidor fazer denúncias contra os desmandos de determinados governos. Como a gente viu no governo Bolsonaro, em que servidores foram fundamentais para identificar casos, em que o governo estava tomando medidas equivocadas ou ilegais. Então, acho que aí você tem um ponto muito importante. O servidor precisa também dessa estabilidade porque o tempo de manutenção dele no serviço público é um tempo de aprimoramento deste trabalho, é um tempo em que ele acumula experiência, em que ele acumula elementos que vão melhorar o serviço público. Então, é fundamental que a gente não permita esse tipo de situação.
Outra coisa também é a gente ter diferentes tipos de servidores. A PEC 32, por exemplo, propõe a ampliação de cargos comissionados. Então não tem a perspectiva de ser um trabalhador ligado à política de Estado, mas sim aos mandos e desmandos dos governos.
Então penso que isso é muito grave, ao mesmo tempo que quando você cria diferentes tipos de trabalhadores no serviço público, você tem impacto também na previdência. Porque esses novos servidores podem não entrar mais naquela mesma previdência. E aí você tem um ataque, então, à previdência que vai perdendo suas fontes de recursos e isso também é muito grave.
A ministra Esther Dweck tem anunciado iniciativas do MGI com o discurso de modernização do estado brasileiro, um exemplo é a mudança na avaliação de desempenho. Qual a avaliação dos servidores públicos federais sobre essas medidas?
As propostas do MGI, que eles chamam de modernização, mas que a gente está entendendo que são elementos de reforma administrativa que atacam os serviços públicos, o debate sobre a avaliação de desempenho tem sido galgado pelo governo como algo muito importante.
O primeiro ponto que a gente precisa dizer é que os servidores já têm elementos de avaliação no seu processo de trabalho. Então, se a gente for olhar hoje os instrumentos que existem, nós já temos instrumentos. Então não é verdade que o servidor não é avaliado. Pelo contrário, existem esses elementos. Entretanto, essa discussão feita pelo MGI foi feita sem qualquer diálogo. Sem qualquer diálogo! Sendo que nós, servidores públicos, estamos tanto na mesa nacional de negociação, onde o governo poderia trazer esses elementos, fazer o diálogo, ver qual é a proposta, entender quais são as nossas razões, as nossas questões e, mesmo nas mesmas setoriais, o governo também não colocou esses elementos na mesa setorial. Então o governo tá negando o diálogo sobre esses aspectos, que são fundamentais.
E a gente acha que, avaliando as medidas concretamente, que o que o governo tem feito no que ele chama de avaliação de desempenho, na verdade, é um aumento da responsabilização do servidor individualmente por problemas que são, por exemplo, estruturais no serviço público. Então, isso a gente acha muito grave.
O governo também está colocando como elementos da avaliação de desempenho, aprimorando processos, para que o chefe, que muitas vezes é um cargo comissionado, possa influenciar mais essa avaliação exatamente, não reivindicando que o servidor preste o serviço a partir dos direitos sociais dos trabalhadores, mas que ele preste aquele trabalho a partir dos interesses do governo de plantão.
É claro que esse tipo de elemento cria essa situação. Uma outra questão que a gente pode chamar a atenção é que o governo está colocando elementos como a necessidade de que os servidores façam cursos na Escola Nacional de governo. Ou seja, mais uma vez ao invés de a gente, por exemplo, priorizar que os servidores discutam e que a gente possa discutir conjuntamente com o governo quais são os elementos de informação que são necessários para o melhor serviço público, que a gente possa aproveitar todo o arcabouço teórico, metodológico, prático, de acúmulo dos nossos Institutos Federais, universidades, institutos de pesquisas públicos, que têm acúmulo sobre isso e que poderiam muito ajudar a gente a pensar propostas de formação e aprimoramento nas diversas áreas, o governo nega isso e coloca como elemento a formação na sua escola de governo, que tem uma linha que a gente pode dizer que é uma linha gerencialista. Que é uma linha muito atrelada aos elementos neoliberais, de ataque ao serviço público. Numa visão mais privatista. Então isso a gente acha muito grave.
Então a avaliação é fundamental. Mas ela tem que ser um processo em que o servidor possa construir coletivamente que possa ter elementos locais, elementos mais gerais das políticas, que possa pensar a participação da população. Aprimorar esses elementos. Então, a avaliação é algo importante, mas atrelar o processo de avaliação de desempenho, ao desenvolvimento da carreira desse servidor, como elementos de punição, de controle, que nada tem a ver com a garantia dos serviços públicos é muito grave.
De toda forma, não seriam necessárias mudanças no serviço público brasileiro? Ou seja, já que a proposta apresentada pela PEC 32 não atende os anseios dos trabalhadores do setor público e nem as necessidades da população brasileira, para o movimento dos servidores públicos federais, quais deveriam ser as mudanças necessárias que o governo Lula deveria realizar?
É importante dizer que a PEC 32 aprimora o serviço público no sentido contrário à manutenção dos direitos da classe trabalhadora. Então a PEC 32 em nada tem a ver com a qualidade do serviço público! E claro, nós servidores públicos já entregamos diversas pautas para o governo de questões que nós achamos fundamentais para aprimorar os serviços públicos, dentre elas a questão do financiamento do serviço público. Nós achamos que o novo Arcabouço Fiscal, assim como a EC95 anterior, que retira recursos, deve ser alterado. Os serviços públicos precisam de mais financiamento. As pessoas precisam de mais professores, professoras, médicos, médicas, trabalhadores na previdência. Os gargalos que a gente tem são de mais servidores, então a gente precisa de mais serviço público, de mais serviço público e por isso de mais recursos. Nós precisamos de mais concurso.
Nós temos levantamento de diversas áreas, onde há um déficit, nas universidades em relação aos técnicos, em relação aos professores, na previdência, na saúde, mas também em outras áreas do serviço público. Então nós precisamos de mais servidores. Nós precisamos, por exemplo, que o governo garanta o direito básico de organização dos trabalhadores, que é algo fundamental para a melhoria do serviço público, que o trabalhador é algo central. Se ele não pode se organizar, se ele tem dificuldade de se sindicalizar, se o sindicato não tem todas as ferramentas para representá-lo, porque o governo impede, porque o governo tem atitudes antissindicais, porque os patrões, no caso, os chefes, não permitem que um sindicalizado vá à sua assembleia, isso ataca o direito dos serviços públicos.
Nós entendemos que o governo precisaria avançar em garantir esses elementos. Nós estamos numa discussão sobre a 151 da OIT e o governo tem enrolado a gente. Não tem feito essa discussão nos espaços e não tem garantido isso.
Então, nós precisamos avançar, sim, em vários elementos do serviço público. A gente pode pensar na garantia de carreiras em que o servidor possa perceber que ele está se desenvolvendo, que ele possa ter garantido os seus salários sem as perdas que nós temos visto. Nós agora estamos vivenciando isso. A gente arrancou nas nossas greves o reajuste, diversas categorias fizeram isso, que ainda não foi pago pelo governo. Então isso ataca a qualidade do serviço público. O servidor está tendo perdas salariais, que estão afetando a vida dele.
Então, é preciso que o governo se comprometa, por exemplo, nas mesas de negociação, a discutir as perdas históricas. Esse reajuste que a gente conseguiu no ano passado, diversas categorias conseguiram, ele é uma parte só de todas as perdas. A gente precisa que o governo garanta, por exemplo, um ambiente de trabalho saudável, que promova a saúde, que dê condições para que o servidor possa estar desenvolvendo o trabalho de maneira adequada.
Que sua saúde mental e física estejam amparadas e protegidas. Então, nós achamos que é necessário várias alterações, mas não que retrocedam, como é a PEC 32 e as propostas de reforma administrativa. São alterações que façam avançar os direitos da classe trabalhadora: à saúde, à educação, à previdência e demais direitos. O que só se efetiva com serviços públicos de qualidade e com servidores públicos com condições de garantir esses direitos.
Outro ponto fundamental que deve ser pautado em uma melhora dos serviços públicos é que os sindicatos têm reivindicado o avanço de pautas em relação às questões de gênero, étnico raciais, cotas no serviço públicos, direitos da população LGBTI+, assédio, dentre outras.
Então, nós achamos que as medidas que foram discutidas até aqui, que têm sido apontadas pelo governo, tanto nesse evento da FIESP, quanto aquelas que estão na PEC 32, quanto aquelas que o governo já fez, não atendem de fato a melhoria do serviço público. E nós temos uma pauta enorme com o governo, já protocolada, algumas vezes que nós queremos debater sim. Porque nós, os servidores públicos, temos interesses na prestação de serviço, na garantia dos direitos da classe trabalhadora. Na garantia de condições para que nós trabalhadores possamos realizar o nosso trabalho que é tão fundamental para a vida da população brasileira.
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