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A descabida volta da Reforma Administrativa à prateleira de prioridades do governo de Jair Bolsonaro

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Por ASFOC

Uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro retornou aos holofotes políticos durante a primeira quinzena do mês de fevereiro. A Reforma Administrativa, estabelecida pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, ganhou tração após o deputado Arthur Lira ter sido eleito presidente da Câmara dos Deputados. Em poucos dias no cargo, o parlamentar, que se aproximou do governo Bolsonaro no primeiro semestre de 2020, tirou a proposta da gaveta e a encaminhou para análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ação necessária para que qualquer assunto comece a ser discutido pelos parlamentares do Congresso Nacional.

O texto da PEC, no entanto, havia sido encaminhado ao parlamento brasileiro em meio à pandemia provocada pela Covid-19 – mais precisamente em 3 setembro do ano passado – e segundo o governo federal é a primeira de três etapas da tão desejada reforma. Em uma segunda etapa devem ser propostas seis projetos de lei envolvendo gestão de desempenho; modernização das formas de trabalho; consolidação de cargos, funções e gratificações; arranjos institucionais; diretrizes de carreiras; e ajustes no Estatuto do Servidor. Já na terceira e última, a intenção do governo é
propor um projeto de lei complementar com o novo marco regulatório das carreiras, governança remuneratória e direitos e deveres do novo servidor público.

O principal argumento era de que a reforma acarretaria em uma economia significativa ao país foi alimentado na época, mas Bolsonaro e muito menos Paulo Guedes, chefe da equipe econômica do governo, apresentaram o quanto os cofres públicos teriam de economia com uma possível aprovação da PEC. Entre as mudanças estabelecidas pela proposta figuram, ainda, o fim da estabilidade para quase que a totalidade das categorias do serviço público no país; a impossibilidade de aumento de salário exclusivamente por tempo de serviço; e o aumento de poder ao gestor, no caso dos servidores federais, o próprio presidente, que poderá, por meio de decreto, abolir cargos sem levar em consideração nenhum critério técnico.
A apresentação da primeira etapa foi o suficiente para provocar como se esperava – um forte atrito com servidoras e servidores públicos, figuras taxadas pela equipe de Guedes, como um “grande peso” aos cofres da União. desencadeou-se, então, uma jornada de lutas e mobilizações, que certamente serão intensificadas com o retorno do tema à prateleira de prioridades do cenário político-econômico brasileiro e a previsão de que a matéria seja votada em plenário ainda durante o primeiro trimestre deste ano. A intenção é que a proposta não avance, não reduza ou suprima os direitos já consolidados pelas servidoras e servidores públicos, e, sobretudo, não prejudique aqueles
que tanto dependem dos serviços públicos: os cidadãos brasileiros.

É uma proposta bem radical, com dezenas de mudanças e isso demanda um debate profundo, com ampla participação da sociedade brasileira, o que não tem condições de ocorrer em meio à situação de pandemia que vivemos. É um
ataque à democracia querer implementar uma reforma tão profunda na administração pública neste momento”, critica Márcia Teixeira, professora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), instituição vinculada à Fiocruz.

Márcia é socióloga de formação e construiu sua trajetória profissional estudando e acompanhando políticas públicas relacionadas ao trabalho, na área da saúde. Para ela, o serviço público precisa ser fortalecido e incentivado em todo
o país, e não ir na contramão dessa filosofia, enfrentando uma política de austeridade como prevê o texto da Reforma Administrativa e os vários argumentos usados pelo governo federal alegando que para conseguir mais eficiência é necessário enxugar a máquina pública.

Números do Atlas do Estado Brasileiro, estudo promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) acerca do funcionalismo público no país com base em dados oficiais contestam o argumento do governo e o objetivo do texto da PEC. Segundo o IPEA, entre 1986 e 2017, o total de vínculos no funcionalismo público aumentou de 5,1 milhões para 11,4 milhões, uma expansão de 123% e crescimento médio anual de 2,5%.

A porcentagem desse número registrada em relação à População Economicamente Ativa (PEA) no país foi de 10,9%, número bem abaixo de países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
onde a média chega a 22%. O estudo também reforça que os países da OCDE que apresentam os melhores resultados nas áreas da educação e saúde têm esses serviços prioritariamente como públicos e a presença de servidores públicos,
no total de trabalhadores, é significativamente maior que a constatada no Brasil.

No estudo, o Ipea detalha que o crescimento no número de servidores se concentrou nos municípios do país. O total de vínculos municipais aumentou 276%, passando de 1,7 milhão para 6,5 milhões, o que segundo o instituto concluiu está diretamente relacionado ao aumento da oferta de serviços públicos nas cidades. Nas esferas estaduais, o número de vínculos cresceu de 2,4 milhões para 3,7 milhões, enquanto que no nível federal foi de 923 mil, para 1,18 milhão, o que representa cerca de 10% de todos os servidores públicos nos três poderes. Considerando apenas os servidores civis do Executivo Federal, que são o foco da Reforma Administrativa, em 1986 havia 604 mil servidores, e em 2017, 827 mil. Ou seja, em 2017, os servidores públicos do Executivo federal representavam 7,2% do total de funcionários públicos brasileiros. O estudo também revelou que o nível de gastos com funcionalismo público em relação ao PIB se
manteve praticamente estável por 11 anos. Em 2006, o custo representava 9,77% do PIB, enquanto que em 2017, passou a representar 10,74%, aumento de pouco mais de um ponto percentual.

Os parlamentares também afirmaram que o site criado pelo Ministério da Economia para, supostamente, dar acesso a estudos e pareceres que subsidiaram a PEC 32 traz informações incompletas e insuficientes para o debate sobre a
administração pública. “A Reforma Administrativa, enquanto uma proposta de emenda constitucional, carece de muitas respostas. Portanto, é preciso que haja um tempo adequado para que os debates necessários sejam realizados e nada
passe em branco”, pondera Márcia. A socióloga também adverte que o funcionalismo público fique atento às demais intenções e ações do governo federal, enquanto o texto da PEC domine as discussões no país. “Desde o ano passado estão sendo editadas medidas como a Instrução Normativa 65 – que estabelece a modalidade de teletrabalho no serviço público – e a Portaria 282 – que dispõe sobre a movimentação de servidores e empregados públicos federais -, que estão articuladas com a Reforma Administrativa. As entidades que representam as categorias que compõem a administração pública devem observar essas ações e se há algum ponto de interseção com as medidas propostas na PEC 32”, alerta Márcia.

Matéria publicada originalmente no Jornal da ASFOC de março de 2021: http://www.asfoc.fiocruz.br/portal/sites/default/files//asfoc-sn_jornal01_-_pv03_0.pdf